segunda-feira, 24 de maio de 2010

HQ’s retratam mulheres à frente de seu tempo

Novidades no mundo dos quadrinhos, os livros “Kiki de Montparnasse” e “Bordados” são conquistas feministas, cada qual a sua maneira.

O lançamento recente de dois quadrinhos nas livrarias brasileiras já está dando o que falar. Bordados, da Editora Quadrinhos na Cia e Kiki de Montparnasse, da Editora Galera Record, são obras que retratam, em diferentes épocas, aspectos e a intimidade de mulheres que são um exemplo de ousadia e irreverência no mundo machista em viveram. Curioso ressaltar que o primeiro exemplo é do século 21, enquanto o segundo é do período entre a 1ª e 2ª Guerra Mundial.

Há muito tempo as histórias em quadrinhos deixaram de ser somente leitura de crianças e jovens em busca de aventuras de super-heróis. Especialmente nos últimos vinte anos, o mercado dos quadrinhos se desenvolveu bastante em todo o mundo, expandindo-se para atingir o público adulto, com autores que tratam de temas tão diversos quanto é possível imaginar, atingindo um público que varia de faixa e etária, de interesses e, também, de gênero.

Os quadrinhos alcançaram, portanto, o status de arte séria, deixando de lado os heróis com poderes mágicos e suas fantasiosas peripécias para enfocar problemas do cotidiano e apresentar personagens que expõem a complexa condição dos seres humanos comuns. Acompanhando esta tendência, as editoras tem se dedicado cada vez mais a publicar autores deste setor. A Companhia das Letras é um destes exemplos. Uma das editoras mais importantes do país, ela lançou o Quadrinhos na Cia, selo próprio para publicar quadrinhos voltados para o público adulto. E uma das estrelas deste selo é justamente a autora de Bordados, a iraniana Marjane Satrapi.


Bordados, uma HQ incomum

A mais recente publicação de Marjane é o volume Bordados, publicado neste ano. Nele, a autora se aproveita de um costume tradicional do Irã, uma reunião de mulheres para costurar (ou como se diz no Brasil “tricotar”) e, assim, expor diversos dilemas da condição sexual feminina em seu país.

É tradição no país, após o almoço, as mulheres tirarem a mesa e organizarem a casa enquanto os homens tiram um cochilo. Depois, é o momento do samovar, um tradicional chá de bule iraniano, que é usado pelas mulheres, que se reúnem para tomar chá e bordarem, contar suas experiências pessoais, falar o que elas quiserem sem a presença masculina. “Falar dos outros pelas costas é ventilar o coração”, dizia a avó da autora. Assim, entre os “bordados” do título vão aparecendo casamentos fracassados, virgindades roubadas, adultérios, frustrações, e golpes que são narrados com uma ironia peculiar.

Bordados traz uma crítica política e social muito forte. Aos poucos a autora vai arrancando camadas da sociedade iraniana para falar de temas espinhosos ligados aos homens, relacionamentos e sexo. O grande trunfo dele é revelar que, quando reunidas, mulher é igual em qualquer país e o assunto é sempre o mesmo.

Além do significado mais claro do título, bordados também é uma expressão iraniana para o procedimento cirúrgico que algumas mulheres se submetem para reconstituírem seus hímens, para que seus futuros maridos acreditem que estejam casando virgens. A tal cirurgia representa, no livro, o que Marjane Satrapi considera absurdo na sociedade iraniana.

Uma boa dica para quem quiser conhecer um pouco mais das idéias da autora são as postagens do seu blog no site do jornal New York Times. Apesar de não serem tão recentes (a coluna foi mantida durante um breve período no ano de 2005), suas colaborações, misto de texto, pontos de vista e quadrinhos, são muito interessantes. Vale à pena dar uma conferida.

Entrevista com Satrapi, em inglês:



Kiki, a musa parisiense

Em forma de quadrinhos, este livro traz a biografia de Alice Prin, ou Kiki de Montparnasse. Conhecida como a rainha deMontparnasse, Kiki tinha uma vida social super agitada, tendo convivido com artistas como André Breton, Miró, Matisse, Stravinsky, Modigliani e até Picasso. Com uma liberdade muito a frente de seu tempo, ela não vacilava em colocar a sua sexualidade a serviço de seus amigos, mostrava os peitos ou levantava a saia pelas mesas do bar só para arrecadar uns trocados pra algum artista amigo que tivesse necessitado de grana.

Foi modelo, atriz, cantora, tinha diversos amantes, não se resumia a uma coisa só. Os seus retratos, nas mais variadas formas e características espelham um pouco do que foi essa personalidade com diferentes feições. Seu corpo foi retratado de todas as formas, em todos os estilos, estava em todas as exposições. Mais do que uma simples modelo, Kiki foi, essencialmente, uma personalidade da Paris boêmia, em especial de Montparnasse, reduto dos artistas da época.

Musa dos surrealistas, ela está presente nos filmes de Man Ray e imortalizada na fotografia Le Violon d'Ingres, uma obra-prima surrealista que entrou para a posteridade. Apesar de todo o alvoroço que causou, ela ficou por muitos anos esquecida na França, sendo resgatada pela iniciativa da Catel e Bocquet, respectivamente, desenhista e escritor, que buscaram, com esta obra, restaurar a justiça devida a Kiki, que até então havia ficado esquecida em seu próprio país.

Trecho de um dos filmes surrealistas feitos por Man Ray:



"Kiki" é, portanto, uma premiada HQ francesa, que chega ao Brasil com três anos de atraso. Dividido em quase 30 capítulos, o livro é uma rica biografia desta, que é um dos principais exemplos da emancipação feminina no século 20. Mais do que libertina, a sua maior ousadia foi ter liberdade de expressão num contexto em que esta era negada às mulheres.



O vídeo acima mostra diversas fotos de Kiki, representada por Moise Kisling, Per Krohg, Man Ray, Alexander Calder, Charles Kvapil e muitos outros artistas e intelectuais da época.

2 comentários:

  1. Sempre uso Satrapi quando quero convencer minhas amigas a ler quadrinhos. E sempre funciona. Mas eu achei curioso que eu vi gente reclamando do Bordados, dizendo que era só uma conversa sem muita importância. Claro que não tem tanta história quando Persépolis, é um livro bem menor, mas o que eu gostei foi justamente o que você disse, ver que em qualquer país as conversas são as mesmas (embora o caso de Bordados também mostre esse absurdo de as mulheres terem que casar virgens).
    O Kiki eu ainda não consegui ler, mas está na fila.

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  2. Diana,

    Realmente a busca em Bordados é a de ser uma conversa sem importância, no entanto parece ter sido desimportante para a autora ter trabalhado melhor a arte e a narrativa da HQ (seria mesmo uma HQ? mal tem sequencialidade). Achei o livro muito fraco, ainda mais se comparado ao maravilhoso Persépolis. Kiki também está na minha fila, um super lançamento da Record.

    Lara, parabéns pelo post, eu ia postar algo sobre quadrinhos também e seu texto ficou excelente.

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