quarta-feira, 12 de maio de 2010

Dominação Simbólica

Relações de dominação, ordem estabelecida, privilégios e injustiças. Muitas vezes, de tão arraigadas ao corpo social, parecem naturais. “As coisas são como são”, dizem muitos. “Sempre foi assim”, reiteram outros tantos. E graças a esse tipo de pensamento predominante, fatos históricos vergonhosos e condições de existência absolutamente inaceitáveis tiveram lugar no passado e continuam acontecendo no presente. E o mais grave: sob o manto da naturalidade.

Em seu livro, “A Dominação Masculina”, Pierre Bourdieu traz à tona e investiga profundamente a questão da submissão feminina e as formas de dominação exercidas pelo homem e respaldadas por instituições como Escola, Família, Igreja e Estado. O autor vê, na dominação masculina, o melhor exemplo de relação social de dominação praticada através de caminhos simbólicos, conhecidos tanto pelo dominador quanto pelo dominado. Destrinchando esses caminhos, Bourdieu aponta os processos responsáveis pela “transformação da história em natureza e da arbitrariedade cultural em natural”. A dimensão simbólica da dominação masculina é o ponto-chave para entendermos a divisão entre os sexos, tal como a conhecemos, e a organização da sociedade, que segue claramente uma ideologia androcêntrica.

Para trabalhar o conceito de violência simbólica, Bourdieu chama a atenção para a divisão sexual do trabalho de produção e de reprodução biológica e social: sempre confere ao homem a melhor parte e é entendida como consenso prático. As mulheres assimilam as relações de poder, nas quais estão envolvidas, e seus atos de reconhecimento e adesão acabam por criar, em certa medida, a violência simbólica sofrida por elas mesmas. Em outras palavras: nestas relações, os dominados aplicam construções elaboradas a partir do ponto de vista do dominador e não através do seu próprio olhar. Assim, dominador e dominado compartilham repertório semelhante, e as construções, dentro desse processo, parecem naturais.

Como exemplo concreto, podemos considerar o sentimento constante de inadequação da mulher em relação a seu corpo. Isso leva muitas meninas a se envergonharem da primeira menstruação e muitas mulheres a considerarem o sangramento algo extremamente constrangedor. O sentimento de inadequação e uma boa dose de auto-depreciação também ficam bastante evidentes quando o assunto é padrão de beleza. As imposições da moda e o bombardeio midiático fazem com que homens e mulheres, sobretudo elas, persigam um ideal de juventude e perfeição que nunca será completamente saciado. A indústria da moda e da beleza é, sem dúvida, infinitamente mais cruel com as mulheres. E as mulheres cruéis consigo mesmas, gerando a sensação freqüente de angústia e frustração.

Ao buscarem uma magreza exagerada, inúmeras mulheres desenvolvem distúrbios alimentares como bulimia e anorexia. Essas doenças, que afetam principalmente adolescentes e jovens do sexo feminino, envolvem fatores psicológicos e sociais e estão diretamente ligadas a problemas de auto-imagem. Podemos dizer que são doenças contemporâneas, já que está clara a relação entre um padrão de magreza relativamente recente e o grande número de casos nos últimos anos. Na ilustração acima, campanha de alerta protagonizada pela ex-modelo francesa Isabella Caro, 27 anos.

Bourdieu cita outras situações palpáveis em que se exerce essa violência “suave” e, às vezes, invisível. Uma delas é o resultado de uma pesquisa realizada na França: “As mulheres francesas manifestam, em ampla maioria, que desejam ter um companheiro de mais idade e também de maior altura física. Dois terços chegam a rejeitar explicitamente um homem mais baixo”. Idade e estatura, signos convencionais da hierarquia sexual (considerados garantias de maturidade e segurança), são aspectos valorizados pelas mulheres. Não é que simplesmente aceitem os signos de uma posição inferior: é como se, para se sentirem valorizadas, elas precisassem estar ao lado de um homem que ocupe uma posição visivelmente dominante – para ela e para o resto da sociedade. Aceitar uma inversão das aparências, segundo Michel Bozon, equivaleria a pensar que a mulher é a que domina, o que, paradoxalmente, não agrada – com um homem diminuído, a mulher se sentiria inferiorizada.

Sem precisar sair da França, encontramos um exemplo ilustrativo deste tema. São recorrentes nos veículos de comunicação de todo o mundo notícias sobre o presidente Nicolas Sarkozy e sua mulher - muitos centímetros mais alta -Carla Bruni. A diferença de altura entre eles é dos assuntos favoritos das colunas sociais que, com humor irônico, não deixam passar os sapatos de solas generosas usados por Sarkozy na tentativa de disfarçar os centímetros a menos. Os textos também apontam que a primeira dama abre mão do salto alto, como em nota publicada na revista Veja de 22 de julho de 2009: “como vem fazendo nos últimos tempos, [Carla] aumentou mais um pouco o salto a que havia renunciado por amor a Sarkô”. Em outra nota da mesma revista, o fato de Carla Bruni usar salto, ainda que não tão alto, é considerado um indício de crise conjugal (como se isso humilhasse o presidente francês). “Ela subiu no salto”, era o título. O conteúdo trazia os desmentidos do casal em relação ao casamento supostamente balançado, mas o texto terminava assim: “[Sarkozy] aventou-se que tudo não passa de invenção de twitteiro – mas que o tamanho do salto de Carla, cada vez mais alto, reforça as suspeitas, reforça” (Veja, 17 de março de 2010).





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