quarta-feira, 19 de maio de 2010

A mulher em A Fita Branca


O filme A Fita Branca estreou no Brasil em Janeiro deste ano e é vencedor de uma Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2009. A narrativa é situada em um vilarejo no norte da Alemanha em 1913, pouco tempo antes da primeira guerra mundial. Os acontecimentos da narrativa estão ligados a uma série de acidentes misteriosos e crimes em forma de castigo que atingem a diversas pessoas do vilarejo. O diretor Michael Haneke procura retratar em sua fotografia Preto e Branco a crueldade e rigidez característica dos representantes da comunidade, que são: o médico, o pastor e o Barão – todos homens. Ele retrata, sobretudo, como se dão as relações estabelecidas entre esses três e todo resto dos habitantes. Vemos então como os outros personagens agem diante das condições que lhe são dadas. Algumas vezes tentam enfrentar as imposições, mas geralmente acabam vitimadas pelas crueldades e brutalidades da população local.

Dentre as vítimas estão crianças, mulheres e os próprios homens. Muitos se tornam vitimas e algozes. As mulheres, que vivem em uma sociedade patriarcal, protestante e rigorosa, sofrem diversos problemas com o “sistema de posições homólogas entre o feminino e o masculino”. Quando não estão condicionadas a exercer o papel de boa mãe e esposa ou de boa irmã (a exemplo da filha do médico), são rigorosamente controladas pelos pais. O importante aqui é que sempre sofrem com atitudes de
indiferença, crueldade e desprezo. Haneke tenta levar a angustia destas personagens para nós com cenas fortes e duras, revelando corpos abusados, diálogos e atitudes brutas com as mulheres. Elas geralmente não conseguem fugir das suas “obrigações” e quase não podem tomar decisões independentes. Há algumas mulheres que podem ser destacadas na narrativa: a parteira, a filha do médico, as inúmeras crianças e jovens que convivem com o pastor, sua filha Klara, a mulher do barão e Eva.

As condições em que vivem são desastrosas em suas vidas e atingem com força o espectador. Existem cenas em que deduzimos a ocorrência de um estupro, outras que revelam a posição de mulheres instruídas a viver para os homens e não para si. Entramos na vida privada das personagens e de suas famílias, tomando conhecimento dos problemas e crueldades da estrutura patriarcal. São momentos de subordinação às mulheres e que estamos, de certa forma, habituados a ver nas telas de cinema. Mas desta vez o filme pesado, pessimista e duro realça tais características.




- 3 cenas retiradas do filme A Fita Branca. São alguns momentos da narrativa em que percebemos o caráter patriarcal e agressivo dos habitantes do vilarejo em que o filme está situado. (para ler a legenda aumente o tamanho do vídeo)


Podemos observar na segunda cena que não ha qualquer interferência daquela senhora nas decisões tomadas pelo marido diante dos problemas familiares. Sua presença é completamente descartada pelo “homem da casa”, que praticamente não houve seu imploro.
Ainda que ela não tenha sido agredida de alguma forma se encontra desprovida de qualquer artifício para ajudar seu filho e para escolher as atitudes que devem ser tomadas.

Na última cena da seleção apresentada acima, há uma surpresa. Durante todo o filme vemos os entraves que dificultam a luta da mulher pelo que deseja. Geralmente quando tentam mudar o enquadramento a que são submetidas, acabam sendo agredidas de alguma forma. Então, neste momento, a baronesa revela a seu marido não apenas um desejo, mas uma decisão tomada independente da sua opinião: “De qualquer maneira nos vamos embora deste lugar (...) Na casa do tio Eduardo eu me apaixonei por um homem (...) ele me cortejou muitas vezes e adorou meu filho (...)”. A revelação é surpreendente para o barão e para os espectadores, que não esperavam em tal situação uma quebra das leis conjugais estabelecidas pela igreja. A narrativa demonstra a permanência dos desejos e dos sonhos das mulheres mesmo com as condições impostas. A surpresa é maior quando não há qualquer violência física dirigida a ela, que apesar da coragem, ainda demonstra receio e preocupação diante do marido.

O filme A Fita Branca trás, além da lembrança de uma época em que as mulheres eram extremamente subordinadas e inferiorizadas pelos homens, certa identificação do espectador com o sentimento das personagens. Somos levados a compreender o que sentem e a perceber como são completamente prescindíveis as dicotomias estabelecidas nas relações entre homens e mulheres. O diretor consegue explicitar situações que, mesmo minimizadas nos dias de hoje, permanecem e chegam a ser invisíveis aos nossos olhos. Somos, então, atingidos com tragédias e crueldades que não escapam da nossa realidade, e nem de algumas ideologias sociais ainda existentes.



Karina Ribeiro



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